Volume III - A Sombra entre as Copas
Capítulo 5 – O Espelho e a Cicatriz
Os oito sobreviventes foram transportados em silêncio.
Não gritavam. Não falavam. Não choravam.
Eles apenas... olhavam.
Para dentro.
Durante o voo de evacuação, os sensores cognitivos registraram uma atividade cerebral incomum — não alucinatória, mas estruturada. Como se suas mentes tivessem passado por algo que o cérebro humano não foi projetado para armazenar.
Otávio permaneceu ao lado de Talia, revisando os dados. Mas sua atenção estava no símbolo que agora surgia repetidamente nos desenhos automáticos dos sobreviventes: três círculos concêntricos, com uma cicatriz transversal.
— É o mesmo padrão que apareceu nas gravações do caso Kalgh’ra... e na pedra ritual do Amikuk — ele disse, deslizando a mão pela tela. — Só que agora, tem esse risco. Como uma rachadura no ciclo.
Talia analisou em silêncio.
— O Bangenza não está ligado à entidade deles. Mas talvez... às consequências — ela disse. — É como se todas essas criaturas fossem manifestações do mesmo desequilíbrio.
— Como anticorpos?
— Como advertências.
Ao chegarem ao centro de contenção em Kinshasa, foram recebidos por agentes de alto escalão da Quimera. Um deles, o Supervisor Malik Dray, ordenou a separação imediata de Otávio para reavaliação neural.
— O agente está comprometido — disse, frio. — Já serviu à memória de uma criptoforma. Agora, foi tocado por outra. O risco de contaminação simbólica cruzada é inaceitável.
Talia tentou intervir.
— Ele salvou vidas. A missão foi um sucesso.
— Missões bem-sucedidas também geram mártires — respondeu Dray.
Otávio ergueu os olhos. Sabia o que aquilo significava. O mesmo protocolo que aplicaram a Harding. O mesmo que quase caíra sobre Helena.
A cela era fria. Mas o silêncio era pior.
Na madrugada, ele sonhou com a clareira.
Mas havia uma diferença.
Dessa vez, não era o Bangenza que tocava os sobreviventes.
Era ele.
E ao tocar a testa de Talia, ele viu não um erro — mas o nascimento de uma pergunta.
> “Se os monstros nos julgam... o que isso diz sobre quem os criou?”
Acordou suando.
E viu, ao lado da cama, um símbolo riscado na parede.
Três círculos.
A cicatriz no centro.
E abaixo, uma palavra escrita à mão, com tinta que ainda escorria:
“Espelho.”
Otávio sorriu pela primeira vez em semanas.
Porque entendia agora:
Ele não era apenas testemunha.
Era continuação.
—
Nota interna – Quimera (acesso nível cinza)
Agente Otávio Gabriel será mantido sob vigilância psicológica. Alterações no comportamento indicam possível convergência simbólica entre diferentes criptoformas. Recomendação: estudo restrito da interação entre as memórias transmitidas e a arquitetura moral do hospedeiro.
Observação adicional: Helena Falken segue desaparecida. Mas o mesmo símbolo foi encontrado ontem... em um mercado de rua de Brazzaville.
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