Volume III: A Sombra entre as Copas


 Capítulo 11 – O Silêncio Que Nos Lê

A evacuação do deserto foi abortada.

O último helicóptero enviado pela Quimera sobrevoou o platô de Ennedi por sete minutos antes de perder o contato. As últimas palavras gravadas pelo piloto foram:

“Não há mais chão. Não há mais sombra. Só... reverberação.”

No centro da distorção, Otávio e Talia estavam de pé.

Mas não sozinhos.

À sua volta, projeções da própria selva africana, das águas do Lago Ness e do gelo do Alasca surgiam e se desfaziam, como se o lugar onde estavam contivesse todos os lugares anteriores. Não como portais. Mas como ecos condensados.

Otávio compreendeu:

— Isso aqui não é um ponto.
— É a junção de todas as vezes que alguém pronunciou o nome.
— E agora ele... nos lê.

Talia chorava em silêncio. O tempo já não existia de forma linear. Ela ouvia sua infância. Ouvia sua morte. Simultaneamente.

E então, uma presença.

Helena.

No limite da dobra do céu.

Não mais humana. Mas ainda… ela.

Vestia uma veste preta e pálida, como sombra líquida. Seus olhos não brilhavam — apagavam.

Falou sem voz:

“Eu fui a primeira a carregar. Agora, sou o selo. Vocês... são o fecho.”

Otávio deu um passo à frente.

— Helena… o que fizemos?

“Abriram a boca que sempre existiu. E agora, o nome nos escreve. A realidade será reorganizada até que tudo o que resistir... seja útil à sua leitura.”

Do outro lado do mundo, a Quimera se reunia.

O Conselho Escarlate estava dividido.

— Eles carregam o nome — disse Malik Dray. — Não podemos permitir que saiam. Cada pensamento deles é uma sílaba viva. Cada palavra falada... pode ser replicada.

— Então... sugeres execução? — perguntou a Dra. Enríquez.

— Sugerimos reescrita.

Um projeto até então guardado: Lex Æterna.

Uma arma sem pólvora. Um vírus de linguagem. Capaz de apagar conexões neurais específicas através de pulsos sonoros simbólicos. Criado para ser usado contra entidades linguístico-miméticas.

Mas nunca testado em humanos.

Até agora.

Na dobra do deserto, Helena se aproximou de Talia.

“Tu foste argila. Mas agora és semente.”

E a tocou.

No instante do toque, Talia viu.

Tudo.

O primeiro homem que escutou o nome. O primeiro animal que tremeu sem saber por quê. A primeira palavra que tentou conter o que não tinha rosto.

E compreendeu.

Ak-Thur-El não quer existir.

Ele quer ser compreendido.

E enquanto alguém o lembrar, ele será.

Helena ergueu a mão uma última vez.

“Mas pode haver um último silêncio.”

Na base da Quimera, o dispositivo Lex Æterna foi ativado.

As coordenadas cerebrais de Otávio e Talia foram registradas.

Mas quando apertaram o botão…

Nada aconteceu.

Porque ambos… já não estavam ali.

Não em tempo. Não em espaço.

Foram absorvidos.

E tornaram-se palavras.

Última anotação encontrada na cela de Otávio Gabriel
Escrita com sangue. Ou tinta. Ou outra coisa:

“Vocês acham que leem os monstros.
Mas eles é que nos escrevem.”


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