Volume III: A Sombra entre as Copas
Capítulo 1 — O Guardião Silencioso
O calor úmido da floresta tropical engolia sons e tempo com igual facilidade. Acima do rio Mongala, os helicópteros da Agência Quimera pairavam em círculos lentos, como abutres indecisos. Não havia sinal da equipe botânica francesa desaparecida. Apenas uma transmissão inacabada, enviada três dias antes:
“...não é gorila. Caminha ereto. Olhos... olhos como os nossos. Mas não são... não são...”
Depois, apenas respiração pesada. E o som de folhas sendo rasgadas.
Helena não estava entre os agentes no Congo.
Mas deixara sua marca.
Otávio sim. Após meses de contenção e vigilância remota, ele havia sido liberado em caráter de missão experimental — ainda monitorado, ainda instável. Mas mais forte do que antes. Sabia demais. Sentira demais. E agora, carregava consigo um fragmento do medo.
Ao seu lado, a nova comandante de campo da célula D-África: Tenente-Linguista Talia Kojo, especialista em culturas Bantu e ex-criptolingüista do Museu de Kinshasa. Ela não conhecia Kalgh’ra. Não conhecia Amikuk. Mas conhecia o nome que agora sussurrava nos templos de barro abandonados entre as aldeias fantasmas:
Bangenza.
— Não é um monstro — disse ela ao revisar os arquivos antigos. — É um castigo. Um espírito-primate. Criado não pela selva, mas por homens. Alimentado por medo, silêncio e desaparecimento.
Otávio lia os laudos com crescente inquietação. Imagens de corpos retorcidos, encontrados na orla do rio. Ossos intactos, mas todos os olhos... arrancados. Não por garras. Por dedos.
— Isso não é caça. É ritual — murmurou ele. — Ele não mata por fome. Ele seleciona.
— E julga — completou Talia. — Em cada vila onde apareceu, há um padrão: uma traição esquecida. Um assassinato não punido. Um juramento quebrado. Ele aparece, caminha entre os vivos... e leva apenas um.
No mapa, o caminho era claro.
O Bangenza seguia o curso antigo dos rios sagrados — onde, segundo lendas, os homens primeiros caminharam com a voz dos animais. Agora, algo os fazia calar-se novamente.
A missão foi selada com o nome-código: Criptiforma Δ-Bantu.
Otávio cerrou os punhos.
— Se ele é guardião... algo foi despertado. Ou violado.
Talia fitou a floresta fechada pela janela do helicóptero.
— Bangenza não é lenda. Ele é lembrança. E a selva... jamais esquece.
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