Volume III – A Sombra entre as Copas



Capítulo 2 – O Caminho dos Olhos Ocultos

A floresta se fechava ao redor da equipe como um organismo antigo e atento. O mato rasteiro se tornava mais espesso a cada quilômetro. Os pássaros, outrora abundantes, haviam desaparecido por completo.

Silêncio.

Não o natural — mas o imposto.

Otávio, Talia e dois agentes batedores da Quimera — Iyeke e Ramos — avançavam a pé com sensores ambientais ativados. A base de apoio aérea permanecia no alto, mas o canal de rádio começava a falhar em intervalos regulares, como se alguma interferência latente os estivesse filtrando.

— Isto não é interferência elétrica — disse Iyeke, encarando o comunicador. — É absorção. Como se as ondas fossem engolidas.

Talia passou a mão sobre um tronco seco. Marcas de dedos. Mãos grandes. Muito grandes. Com unhas longas e finas, semelhantes a lâminas de marfim.

— Aqui — apontou. — Ele passou por aqui. Subindo.

Otávio se abaixou. O solo estava afundado por pegadas largas, semelhantes às de um primata, mas com articulação claramente adaptada ao bipedalismo prolongado. O mais perturbador, porém, era o padrão.

Três passos. Depois, ausência. E depois, novamente pegadas.

— Ele pula... ou desaparece — sussurrou Otávio. — Como se usasse o próprio silêncio para se mover.

Ao entardecer, a equipe alcançou uma clareira circular. No centro, uma árvore sagrada, marcada com símbolos da tradição lusengo, riscada com sangue ressecado e cordões trançados.

Mas o que gelou o sangue dos presentes não foi a árvore.

Foi o que estava sentado diante dela.

Um cadáver humano, encostado ao tronco, olhos arrancados. Na testa, uma inscrição escrita com carvão:

"Eu falei."

Talia caiu de joelhos, em choque.

— Este é o guia da equipe francesa... Mbemba. Ele conhecia os cantos proibidos. Devia tê-los recitado para a equipe.

Otávio se aproximou com cautela. Ao redor do corpo, círculos concêntricos haviam sido desenhados com ossos pequenos — provavelmente de macacos colobus ou guenons. Mas dispostos com simetria simbólica.

— Isso é ritual. Mas não humano — disse ele.

Um dos sensores apitou. Iyeke ergueu os olhos, olhando para o topo das árvores.

E então todos ouviram.

Não um rugido.

Não um grunhido.

Mas uma respiração.

Lenta.

Longa.

Invisível.

Eles apontaram as lanternas para cima, mas não havia nada. Apenas folhas, sombras... e dois olhos âmbar, imóveis, a vinte metros do chão.

— Ele está nos ouvindo — sussurrou Talia.

A sombra desapareceu com um estalo de galho seco.

E o silêncio voltou.

Mas agora... era mais pesado.

Otávio tocou o colar de isolamento mental que herdara da missão do Alasca. Sentia a floresta empurrando sua mente — não com força bruta, mas com presença constante.

“Vocês estão onde a culpa vive.”

A voz não veio de fora.

Mas todos a ouviram.

Relatório parcial | Quimera – Célula D-África

Caso: Criptoforma Bangenza
Observações: Testemunhos múltiplos indicam inteligência simbólica. Indícios de comunicação parapsíquica. Capacidade de supressão ambiental elevada. Presença vinculada a atos de transgressão cultural ou moral.
Risco atual: Escala triboética.

Otávio, de pé na clareira, disse baixo:

— Ele não caça. Ele espera o erro. 

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