Volume III: A Sombra entre as Copas
Capítulo 10 – O Lugar Onde Tudo Ecoa
O deserto parou.
Talia percebeu primeiro. O vento cessara. A poeira repousava sobre o ar, flutuando como cinza suspensa. Até o calor parecia congelado — não frio, mas inerte.
Otávio levantou-se da caverna com os olhos vermelhos. Não de choro. De exposição.
— Estamos dentro dele agora — murmurou.
— Como assim? — perguntou Talia, ofegante.
Ele apontou para o céu. As nuvens não se moviam. O sol... oscilava de intensidade. As sombras se alongavam e depois retraíam, sem fonte.
— Ak-Thur-El não vem ao mundo.
— Ele transforma o mundo em si.
A realidade estava cedendo.
E nas pedras do círculo sagrado, símbolos começaram a se riscar sozinhos. Como se mãos invisíveis escrevessem através da pedra — ou como se a própria rocha recordasse.
Talia tentou registrar com a câmera. A imagem piscava.
Gravando...
Erro: Formato de tempo inválido.
— O tempo... está colapsando em volta de nós — disse Otávio.
Ao longe, um Tuaregue apareceu caminhando. Era o mesmo que os guiara dias antes.
Mas agora, sangrava pelos olhos.
E falava com uma voz que era dele, mas também não era:
“O nome se move.”
“O nome é lugar.”
“A lembrança molda.”
“E tu, Otávio, és espelho trincado.”
“Talia... tu és argila.”
A areia sob seus pés começou a formar padrões espiralados.
Como neurônios.
Como mapas.
Como circuitos.
E então... as palavras deixaram de fazer sentido.
Talia sentiu.
Um pavor que não vinha do que via.
Mas do que não conseguia mais nomear.
As rochas cantavam, mas não em som.
Cantavam com existência.
Otávio caiu de joelhos, segurando a cabeça.
— Ele... está escrevendo.
— Está usando a nossa linguagem.
— Está nos usando como estrutura.
— Ele precisa de cérebro humano para se manter.
E então, do horizonte, surgiu a dobra.
Não uma forma.
Mas uma curvatura.
Como um lençol sendo puxado debaixo da realidade.
Uma fenda visível, rasgando o céu como uma cicatriz molhada.
E do outro lado...
Nada.
Mas um nada que olhava de volta.
Talia caiu.
Otávio a segurou.
“Não olha muito.”
“Senão... ele te escreve também.”
—
Relatório final não autorizado | Helena Falken (registro oculto)
“Não era para dizermos o nome. Não era para lembrarmos. Kalgh’ra tentou apagar. Amikuk tentou arquivar. Bangenza tentou punir. Mas nós... nós lemos. E agora, estamos sendo descritos por ele. Ak-Thur-El não é um ser. Ele é uma gramática. E o mundo... uma sentença inacabada.”
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