Volume III - A Sombra entre as Copas

 

Capítulo 4 – A Clareira dos Arrependidos

Ao norte do rio, a vegetação mudava de tom. As folhas eram mais espessas, mais escuras, como se a luz solar evitasse aquele trecho da floresta. A atmosfera era sufocante. Até o tempo parecia hesitar ali dentro.

A equipe avançava com cuidado. Otávio mantinha o sensor mental ativado. Estava vibrando. Não em alarme — em resposta.

— A frequência é estável — sussurrou. — Ele sabe que estamos vindo. Mas não foge. Ele quer que vejamos.

Ao ultrapassarem uma raiz elevada, entraram numa clareira ampla, cercada por árvores antigas cobertas por cipós retorcidos. No centro, um círculo de pedras — e dentro dele, oito pessoas sentadas em silêncio absoluto.

Não amarradas.

Não contidas.

Mas imóveis, olhos abertos, olhando em frente... como se em transe.

— São os desaparecidos — disse Talia. — Todos. Inteiros. Mas...

Otávio aproximou-se do primeiro — uma mulher jovem, olhos secos. Colocou dois dedos no pescoço.

— Pulso estável. Respiração lenta. Mas atividade cortical... mínima.

— São testemunhas — disse uma voz atrás.

Era Hubert, o cientista resgatado. Estava de pé, parado na borda da clareira. Seus olhos brilhavam em tons âmbar.

— Ele os mantém assim. Não como prisioneiros. Mas como espelhos. Até que vejam. Até que sintam.

— Sintam o quê? — perguntou Talia.

— O que causaram.

A terra vibrou.

Lentamente, as árvores afastaram seus galhos. E então, ele surgiu.

O Bangenza.

Doze pés de altura. Pele castanha espessa como casca antiga. Membros longos. Mãos de quatro dedos, cada um terminando em unhas curvas como garras de madeira. O rosto era um híbrido grotesco: simiesco, mas com um crânio mais alto e olhos que... observavam como os humanos.

Mas o mais perturbador era sua postura.

Não selvagem.

Solene.

Carregava nas costas uma lança de osso e fibra, envolta em símbolos talhados à mão.

Otávio ergueu lentamente o microfone externo. Não para comunicar.

Mas para registrar.

— Ele não nos ataca — murmurou. — Ele quer ser visto.

O Bangenza parou diante dos oito sobreviventes e estendeu a mão.

Um a um, tocou suas testas.

Com cada toque, os corpos estremeceram. Como se algo — um peso, uma lembrança — fosse devolvido.

A mulher jovem caiu de lado, respirando com força. Abriu os olhos. Chorou.

— Eu... eu vi. Meu erro...

— Eles estão sendo julgados — disse Talia, pasma. — E só acordam quando reconhecem.

O Bangenza então olhou para a equipe.

E caminhou em sua direção.

Otávio não se moveu. Mas sentiu a presença esmagadora. Não física.

Mental.

“Tu trouxeste o eco da carne. Tu trouxeste o frio. Agora ouve o que o calor te diz.”

Helena.

O fragmento do Amikuk ainda em Otávio pulsava como um lembrete. Mas o Bangenza... o reconhecia.

Não com hostilidade.

Mas como um vessel.

E então sussurrou em sua mente:

“Tu já foste reflexo. Agora, sê espelho.”

A criatura passou por eles sem agressão.

E desapareceu entre as árvores.

As oito pessoas acordavam, uma por uma, aos soluços, murmurando frases em línguas antigas.

Otávio caiu de joelhos.

— Ele não quer ser contido.

Talia assentiu.

— Ele quer que o erro seja lembrado.

E o erro... éramos nós.

Relatório de Campo – Célula D-África
Criptoforma confirmada: Bangenza
Classificação: Entidade simbiótica de julgamento moral tribal.
Status de risco: Ativo, porém não hostil em condições de reverência ou reparação.
Recomendação: Registro cerimonial e preservação de sítios sagrados. Proibição absoluta de biocoleta em zonas rituais.

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