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O Monarca da Névoa

     Nas vastas montanhas de Snowdonia, onde o vento uivava como uma lamento ancestral, e as nuvens se entrelaçavam com o céu até desaparecerem nas profundezas de um horizonte eterno, o Brenin Llwyd emergia da bruma como uma entidade mítica e aterradora. Conhecido como o "Rei Cinza" ou o "Monarca da Névoa", esse gigante sinistro caminhava pelas trilhas esquecidas de Gwynedd e Powys, em território galês, buscando almas perdidas que ousavam aventurar-se em seu domínio.      A origem do nome Brenin Llwyd , que em galês significa "Rei Cinza", já deixava claro o quão imponente e temível essa criatura era. Ele era descrito como um gigante de proporções colossais, com pele pálida, quase translúcida, que refletia as nuvens densas que sempre o acompanhavam. Seu rosto, porém, era o verdadeiro terror. Em vez de características humanas ou animais, seu semblante parecia feito de pura neblina, uma máscara de vapor que mudava constantemente, fazendo-o parecer mais uma ...

O Uivo Carmesim

     Na penumbra úmida das ruas desertas de uma grande metrópole africana, o som de passos ecoava pelo asfalto rachado. Tinham-se passado poucas horas do eclipse que mergulhara a cidade em trevas quase absolutas, quando um grupo de jovens, atraídos por relatos de desaparecimentos recentes, aventurou-se a explorar um beco esquecido, cujas paredes grafitadas com símbolos desconhecidos advertiam quanto ao perigo.      De súbito, um guincho agudo rasgou o silêncio: um grito prolongado e distorcido, semelhante a uma gargalhada histérica, que arrepiou a espinha até dos mais corajosos. Era o Booaa, o “Hiena Desconhecida da África Ocidental”, cujo nome derivava justamente daquele ulular aterrador. Diziam que o animal, de porte colossal, com pútridas mandíbulas repletas de presas serrilhadas e olhos incandescentes, surgia apenas sob a escuridão total, abrindo fendas na carne de sua vítima com voracidade faminta.      Os jovens, paralisados pelo terr...

Coração Serpentino nas Águas Ocultas

Em uma madrugada úmbria, quando a névoa pairava sobre as margens do Lago Mendota, um brilho esverdeado emergiu das águas profundas. Bozho, cujo nome deriva de “hello” na língua Potawatomi e possivelmente de Manabozho, a figura trapaceira algonquina, moveu-se com a cadência de uma serpente ancestral. Sua forma era inteiramente serpentina, com um pescoço longo que ondulava como uma lâmina viva e grandes olhos negros que refletiam a luz fraca do luar. Avistamentos históricos relatam que, em 27 de junho de 1883, o casal Billy Dunn, ao velejar, teve de repelir o monstro com remo e machado para salvar suas vidas. Décadas depois, em 1917, um pescador observou sua cabeça e pescoço a cem pés de distância de Picnic Point, causando correntes de pânico nas margens. Testemunhas posteriores descreveram escamas negro-esverdeadas com leves manchas claras, sugerindo uma criatura que jamais encontraria correspondência nos livros de ciência  Na cidade sombria à beira do lago, Dr. Helena Sutter, zoólo...

Dossiê Escarlate – Linha Temporal Consolidada das Incursões Criptoformes (Volumes I–III)

  Classificação: Nível Escarlate | Acesso restrito à Seção Arcanum e à Diretoria Liminar 1998 (referência inicial retroativa) Evento Harding (Lago Ness, Escócia) Primeiras manifestações associadas a Kalgh’ra . Alistair Harding desaparece durante operação de escaneamento lacustre. Classificado como acidente técnico. Posteriormente reclassificado como “primeiro toque” após análise de gravações esquecidas. Volume I – A Profundidade Invertida Local: Lago Ness, Escócia Ano: 2024 Investigação de perturbações acústicas no lago revela estrutura óssea no fundo da cratera: Críptide 09-Λ – “Coração de Kalgh’ra” . Marcus é “assumido” por Kalgh’ra; Otávio é marcado; Helena carrega fragmento mental. Ritual de Trindade realizado inconscientemente por três agentes humanos. Kalgh’ra parcialmente disperso. Selo simbólico recosturado por Helena. Harding reaparece como vigia da fenda . Consequência: Primeira manifestação consciente de criptoforma memética total. Vol...

Arquivos Confidenciais: Dossiês Quimera

RELATÓRIOS DA QUIMERA – ACESSO NÍVEL ESCARLATE 1. Dossiê da Agente Talia Kojo Status : Ativa Função : Linguista de Campo | Especialista em Criptoetnografia Moral Exposição : Kalgh’ra (indireta), Bangenza (plena), Ak-Thur-El (total) Análise Neurossimbólica : Capacidade de absorção e estruturação de linguagem extralinguística. Memória resistente a distorção paracognitiva. Registro de fala reversa espontânea em estado REM. Risco de Contaminação : Elevado, porém estável sob rituais de contenção mental. Recomendação : Monitoramento contínuo. Capaz de interagir com estruturas criptoformes sem colapso identitário. 2. Dossiê do Agente Otávio Gabriel Status : Desaparecido | Presumido Integrado Função : Ex-analista de campo | Portador fragmentário Exposição : Total (Kalgh’ra, Amikuk, Bangenza, Ak-Thur-El) Última manifestação confirmada : Evento AK-Eco – Ennedi Nota técnica : Otávio representa o primeiro caso de fusão simbiótica com múltiplas criptoformas. Prognóstico :...

Volume III: A Sombra entre as Copas

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  Capítulo 12 – A Última Margem Após o evento de Ennedi, o tempo voltou a fluir. Mas não do mesmo modo. Satélites de rastreio atmosférico mostraram pequenas anomalias na medição de marés. Mínimos atrasos em batimentos cardíacos coletivos durante horários de pico. E um fenômeno novo: registros de eco de voz onde não havia som. O nome Ak-Thur-El jamais foi mencionado novamente. Porque ele não precisava mais ser dito. Ele havia sido ouvido. Otávio não voltou. Talia sim — ou pelo menos, uma parte dela. Encontrada dias depois nos arredores de Tamanrasset, desidratada, suja, mas com o olhar limpo. Na triagem da Quimera, ela repetiu apenas uma frase: “O silêncio tem margens. E nelas, há outros nomes.” Helena, ainda oculta, deixou um arquivo criptografado para Talia. Apenas duas palavras: “Segue limpa.” Era uma benção. Ou um aviso. No Conselho, Malik Dray foi removido. A Seção Escarlate perdeu autonomia. Uma nova célula foi criada: Quimera V – Liminares , sob comando provisório de Tal...

Volume III: A Sombra entre as Copas

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  Capítulo 11 – O Silêncio Que Nos Lê A evacuação do deserto foi abortada. O último helicóptero enviado pela Quimera sobrevoou o platô de Ennedi por sete minutos antes de perder o contato. As últimas palavras gravadas pelo piloto foram: “Não há mais chão. Não há mais sombra. Só... reverberação.” No centro da distorção, Otávio e Talia estavam de pé. Mas não sozinhos. À sua volta, projeções da própria selva africana, das águas do Lago Ness e do gelo do Alasca surgiam e se desfaziam, como se o lugar onde estavam contivesse todos os lugares anteriores. Não como portais. Mas como ecos condensados . Otávio compreendeu: — Isso aqui não é um ponto. — É a junção de todas as vezes que alguém pronunciou o nome. — E agora ele... nos lê. Talia chorava em silêncio. O tempo já não existia de forma linear. Ela ouvia sua infância. Ouvia sua morte. Simultaneamente. E então, uma presença. Helena. No limite da dobra do céu. Não mais humana. Mas ainda… ela. Vestia uma veste preta e páli...