A Caçada do Caitetu-Mundé
O entardecer no Mato Grosso chegava abafado e úmido, enquanto a mata fechada engolia os últimos raios dourados do sol. Um grupo de biólogos, liderado pela doutora Ana Cláudia Tavares, havia se instalado às margens do Rio Aripuanã, com o objetivo de catalogar possíveis espécies de mamíferos não descritos pela ciência. A expedição, financiada por um obscuro instituto europeu, tinha foco em relatos locais sobre um animal misterioso: o Caitetu-Mundé.
Segundo os ribeirinhos, era um tipo de porco-do-mato, mas com um comportamento mais agressivo, inteligente e... estranho. Não andava em grandes bandos como os queixadas, mas em pequenos núcleos familiares, e parecia observar os humanos com um olhar quase consciente. Suas trilhas eram encontradas frequentemente ao redor de armadilhas destruídas — como se o animal compreendesse o perigo.
O grupo estava há cinco dias na selva quando avistaram, ao entardecer, a primeira pegada: cascos duplos, mas mais largos e profundos do que os de qualquer tayassu conhecido. Seguiram a trilha. O cheiro era nauseante — uma mistura de carniça, sangue e fezes fermentadas. Logo encontraram os restos de um veado, parcialmente devorado, os ossos expostos, lascados como por lâminas.
Na manhã seguinte, o operador de drones, Eduardo, desapareceu. Seu corpo foi encontrado a duzentos metros do acampamento, pendurado por tendões nos galhos baixos de uma figueira. A pele de seu rosto havia sido arrancada com precisão animalesca, e o coração havia sido comido — enquanto ele ainda estava vivo, como indicavam os cortes cauterizados pelo calor de mordidas rápidas e repetidas.
Naquela noite, o terror se revelou.
As câmeras captaram um grupo de quatro criaturas. Mediam pouco mais de 90 cm de comprimento e tinham ombros largos, musculosos, de coloração escura e olhos esbranquiçados que refletiam a luz como os de felinos. Mas o mais apavorante era o som: não grunhidos comuns, mas algo que se assemelhava a um balbucio rouco, como tentativas rudimentares de imitar vozes humanas — “aqui”, “não”, “dor”.
À meia-noite, eles atacaram o acampamento.
Surgiram da floresta em silêncio, rápidos como sombras. Um deles mordeu a perna de Carla, a veterinária, arrancando parte do fêmur com um estalo seco. Outro pulou sobre o peito de Lucas, cravando os dentes no pescoço e o esventrando com os cascos como lâminas. Sangue escorria pelas folhas, as barracas em frangalhos, os gritos engolidos pela escuridão abafada da selva.
Ana Cláudia correu até a clareira onde estava o barco a motor. Atrás dela, os sons vinham em rajadas: fungadas, gorgolejos, farfalhar das folhas, cascos contra pedras. Mas o que mais a perturbava era o som da criatura maior — um caitetu com presas expostas como as de um javali antigo, olhos humanos demais e uma cicatriz em forma de cruz sobre o focinho — que falava, ou tentava. Ele murmurava uma palavra repetida: “trap... trap...”
Quando alcançou o rio, tropeçou. Os animais a cercaram. Não atacaram de imediato. Apenas a observaram, como se soubessem que ela era a única que entenderia. E então o líder se aproximou e, com uma mordida, arrancou-lhe o antebraço. Ana gritou. Outro rasgou seu abdômen com os cascos, puxando as vísceras para fora como se fossem frutos. A dor foi insuportável. Mas ela ainda ouvia o som das criaturas enquanto devoravam seus companheiros. Um som entre risos e linguagem.
Na manhã seguinte, um pescador local encontrou a clareira devastada. Não havia corpos. Apenas sangue, pedaços de tripas enroscadas nos galhos e uma única câmera térmica, ainda funcionando.
Quando a polícia ambiental chegou, não encontrou vestígios. O caso foi arquivado como ataque de onça — mais um entre tantos. Mas a gravação da câmera, vazada por um dos agentes, revelou o impossível. No último segundo, antes da lente ser coberta por sangue, a criatura olha diretamente para a câmera e... sorri.
Desde então, moradores evitam aquela parte do rio. E quem insiste em caçar por ali volta... faltando partes.
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