Volume IV: A Voz do Lago

 


Capítulo 2 – A Profundidade que Fala

Llyn Glaslyn, Snowdonia
06h11 – Missão de reconhecimento submerso

O traje de Talia rangia sob a pressão. A água era turva, mas não escura — tingida por uma tonalidade leitosa, como se a própria luz ali se desfizesse em silêncio. Ao seu lado, o agente Hafiz operava os sensores hidrofonais. Dunne supervisionava a partir da superfície, mantendo o canal aberto.

A 18 metros de profundidade, a vegetação cedia lugar a uma formação rochosa… impossível.

Uma arcada.

Três arcos de pedra suavemente curvados, com musgos que pareciam organizar-se em padrões de escrita — mas que só se tornavam legíveis quando não olhados diretamente.

Talia aproximou-se, sentindo uma leve pressão atrás dos olhos. E então, um zumbido.

Não do equipamento.

Da água.

— Estou ouvindo... não sons — murmurou. — Mas palavras… que não precisam de voz.

Hafiz confirmou:

— O sonar está captando reverberações rítmicas. Como leitura. Como se... a água estivesse nos escaneando.

No centro do arco, uma placa esculpida, com um entalhe central: um símbolo circular cortado em três partes. Talia tocou.

Uma descarga.

E então, uma frase... não lida. Mas pensada diretamente nela:

“A língua nasce no espelho. O Afanc guarda a margem. Mas agora… a margem sangra.”

Ela recuou com a respiração acelerada.

— É sintático. O lago... está estruturando gramática.
— Como assim? — perguntou Hafiz, alarmado.
— Como Ak-Thur-El... mas anterior. Isso aqui é um eco preservado da primeira tentativa de organização da linguagem no mundo físico.

E então o chão sob os pés deles tremeu.

Algo se moveu entre os arcos.

Não um ser.

Um reflexo.

Mas não havia superfície onde refletir.

A forma do Afanc os observava… debaixo da água.

Como se fosse o reflexo de uma criatura que não estava lá.

“Talia...” — sussurrou a mente dela. — “Volta antes que teu nome afunde.”

Eles emergiram com esforço.

A água parecia pesar sobre os corpos como se rejeitasse a saída.

Na superfície, Dunne os aguardava pálido.

— Recebemos um sinal da Estação de Transmissão em Aberystwyth. Eles registraram uma frase em latim... vinda do lago.

Talia arregalou os olhos.

— Em latim?

— Sim. Tradução: “A margem perdeu o espelho. O nome se esconde em pele.”

Talia olhou para o lago uma última vez.

E soube: o Afanc não quer atacar.

Ele quer impedir que algo se repita.

Porque ele já viu o que acontece quando a margem quebra.

Relatório Parcial – Quimera V | Célula Liminares
Registro de campo:

  • Estrutura arcada submersa

  • Reflexos sem origem física

  • Linguagem hídrica não fonética

  • Sinais de que o Afanc guarda uma memória pré-Ak-Thur-El
    Conclusão provisória: O Afanc não é o monstro do lago. É o arquivo.

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