Volume IV: A Voz do Lago

 

Capítulo 3 – Os Nomes que Flutuam

Llanberis, País de Gales
Dois dias após a imersão

A vila parecia intacta. Telhados de ardósia, ruas silenciosas, o aroma de pão assado no ar. Mas havia algo... calado demais.

Talia e Hafiz foram recebidos pela médica local, Dra. Elsi Morgan, que os conduziu discretamente até a escola primária da vila.

— Eles começaram a sonhar — disse Elsi. — Todos na mesma noite. E continuam... todas as noites.

As crianças estavam sentadas em círculo, desenhando.

Não figuras.

Palavras.

Símbolos. Linhas curvas que se fechavam em formas impossíveis, repetidas com precisão entre elas. Talia reconheceu de imediato: as mesmas marcas que haviam aparecido nas pedras submersas do lago.

— Eles não sabem o que estão escrevendo — disse Elsi, sussurrando. — Mas os pais estão... ouvindo essas palavras em casa. Quando dormem. Quando encostam o ouvido na água das torneiras.

Talia tocou um dos cadernos.

A criança que o desenhava olhou para ela.

E murmurou:

— “A água lembra. E quer que a gente também lembre.”

Na manhã seguinte, às 05h44, Talia retornou ao Llyn Glaslyn sozinha.

A névoa permanecia. Mas o lago… estava diferente.

Não tremia. Não chamava.

Esperava.

Então, no centro da superfície — que estava lisa como espelho congelado — surgiu uma palavra flutuante.

Não escrita.

Não gravada.

Mas feita de água erguida contra a gravidade.

Afânc.

Mas não era um nome.

Era um aviso.

Logo abaixo, outras três palavras se formaram em sequência:

“Margem. Sangue. Retorno.”

Talia sentiu a pressão na cabeça.

Um nome tentava emergir dentro dela.

Mas ela resistiu.

Helena avisara: nomes que não querem ser ditos nos escrevem de volta.

Atrás dela, Hafiz chegou correndo.

— O lago... mudou de composição — ofegou. — Análise espectroquímica sugere presença de proteínas não humanas. E... padrão de memória hídrica ativa.

— Como assim?

— A água… lembra palavras. E está aprendendo a formar frases.

Talia encarou o reflexo no lago.

E, por um instante, ele não a imitou.

Sorriu... antes dela.

Relatório interno – Quimera V – Liminares
Situação atual:

  • Crianças sonham com vocabulário hídrico.

  • Reflexos com comportamento preditivo.

  • Palavra flutuante registrada por drones, depois apagada automaticamente.

  • Lago se comporta como entidade sem forma, mas com objetivo: “reconhecer” nomes e manter margem estável.”

Nota técnica: Se Ak-Thur-El quer ser escrito, o Afanc quer impedi-lo de ser lido.

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