A Besta de Gevaudan: O Retorno do Mal – Parte 2

A escuridão que se abateu sobre a minha alma não foi uma morte comum. Não foi um fim, mas uma transformação. Agora, eu sou o reflexo daquela criatura que me atacou, a besta que caçou e dilacerou com uma precisão impiedosa. Mas o que mais me assusta não é o poder que agora possuo, nem a força que me atravessa a carne e ossos — o mais aterrador é a consciência de que a besta nunca foi apenas um animal. Ela sempre foi algo mais.

Em minha nova forma, algo dentro de mim percebeu a verdade: a Besta de Gevaudan não era apenas uma fera, mas uma entidade ancestral, uma força que havia sido despertada por séculos de mistério e sacrifício. Ela estava ali para consumir, para devorar, não só a carne humana, mas algo ainda mais sombrio — nossa própria essência, nossa alma. E eu, agora, sou parte dessa besta.

Nos dias que se seguiram à minha transformação, comecei a entender o que aconteceu comigo. A primeira coisa que notei foi a fome. Não uma fome qualquer, mas uma necessidade insaciável de carne fresca, de sangue quente, algo que me dominava de uma forma que eu não conseguia mais controlar. Mas o pior de tudo não era a fome. Era a visão.

Eu via tudo. Eu via o que a besta via. Cada passo que eu dava na floresta, a cada grito que eu ouvia à distância, eu sentia a presença de outras vítimas. Elas estavam lá, esperando para ser consumidas, esperando que eu as encontrasse. Mas algo mudou. Algo estava diferente.

Eu me lembrei de algo que ouvira em uma das antigas lendas: “A besta é imortal, mas ela também está condenada.” Eu agora sabia o que isso significava. A besta, a verdadeira besta, não estava sozinha. Ela precisava de um hospedeiro, alguém que mantivesse sua essência viva, alguém que a alimentasse com o medo e o sofrimento dos outros. Eu fui escolhido. E com isso, eu me tornei tanto caçador quanto caçado.

Naquela noite, enquanto vagava pela floresta de Gevaudan, eu senti uma presença, uma sensação de algo mais. Era como se algo estivesse me observando, me vigiando, esperando. Quando meus olhos se ajustaram à escuridão, eu vi algo que me fez tremer: outra figura, mais alta, mais sombria que a minha própria. Ela não estava ali para caçar, estava ali para me dominar.

Era outra besta.

Esta nova criatura não tinha a aparência de um lobo gigante, mas algo ainda mais horrível. Seu corpo era mais magro, mais alongado, com pele de uma tonalidade cinza-esbranquiçada, como se sua carne estivesse consumida pelo tempo. Mas o que me fez parar foi o seu rosto. Não era um rosto de animal. Era um rosto humano, distorcido, como se estivesse eternamente preso em uma máscara de dor e sofrimento. Seus olhos eram de um branco profundo, como se tivessem sido arrancados da própria luz. Era a verdadeira essência da besta.

A luta que se seguiu foi brutal. Eu tentei usar minha força recém-adquirida, mas a outra besta parecia entender todos os meus movimentos, antecipando cada passo. Ela me falava em sussurros, palavras que não faziam sentido, uma língua antiga que eu mal conseguia compreender. E então, entendi. Ela não era uma caça, mas uma sentinela. Ela estava lá para me destruir, para apagar a única forma de vida que ainda restava na besta de Gevaudan — a minha.

Quando finalmente consegui derrubá-la, ela apenas riu, uma risada baixa e gutural, e disse: “Você está preso, como todos antes de você. A besta nunca morre. Ela apenas muda. Você será o próximo caçador, até que a terra se cubra de sangue e carne.”

Aquelas palavras me perseguem agora. Eu entendi o que ela queria dizer. A besta de Gevaudan não é apenas uma criatura. Ela é um ciclo eterno, uma maldição. E a minha existência agora está ligada a isso. Eu não sou mais humano, nem uma simples fera. Eu sou parte do mal que habita essa terra, e não importa onde eu vá, ou o que eu faça, o ciclo continuará.

Eu sou a Besta de Gevaudan. E, quando você menos esperar, você sentirá minha presença. Pois eu não sou a última. Eu sou apenas uma parte do mal que nunca cessa.

E você, que se atreverá a andar nas trilhas da noite, talvez seja o próximo a se perder na escuridão.

A fome nunca acaba.

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