A Besta de Gevaudan: O Retorno do Mal – Parte 3
Eu pensava que a transformação que havia sofrido era o fim, uma condenação eterna. Mas, como descobri, era apenas o começo. A maldição da Besta de Gevaudan não se limita ao que podemos ver, ao que podemos tocar. Ela é uma força, uma entidade que transcende o corpo, o tempo e a morte. E agora, o pior de tudo é que não estou mais sozinho.
Quando a segunda besta me falou sobre o ciclo, eu finalmente compreendi o verdadeiro significado da maldição que carrego. Eu sou agora o hospedeiro dessa força ancestral, mas não sou o único. A Besta de Gevaudan, em sua essência, se espalha como uma doença, como uma praga silenciosa. Ela toma aqueles que se aproximam, aqueles que se aventuram na floresta, e os transforma — um a um — em caçadores e presas, alimentando-se de uma dor que nunca termina. Não existe fim para isso.
Nos meses que se seguiram, minha fome só aumentou. O desejo insaciável de sangue, de carne fresca, de almas aterrorizadas, consumia meu ser. Mas, em cada caçada, eu percebia algo estranho. Havia mais de nós. Outros caçadores. Outros transformados pela besta. Seres que não eram mais humanos, mas meras sombras de suas antigas vidas, presas no ciclo sem fim da maldição.
Foi em uma noite chuvosa que encontrei o primeiro deles. Eu já estava cansado de caçar sozinho, a solidão me corroendo mais do que a fome. Quando o vi, no meio das árvores, soube imediatamente o que ele era. Ele tinha os mesmos olhos que eu, aqueles olhos negros, profundos, que não refletiam a luz. Seu corpo estava distorcido, como se ainda estivesse se adaptando à transformação. Mas o pior não era sua aparência, era o vazio em seu olhar, a ausência de qualquer remanescente de humanidade.
“Você também foi escolhido”, ele disse, sua voz rouca, como se as palavras tivessem sido arrancadas de sua garganta. “Você não pode escapar. A Besta te encontrou. E agora, você serve a ela, como todos nós.”
Eu não sabia se ele estava me ameaçando ou se estava tentando me alertar. Mas, antes que eu pudesse reagir, ele desapareceu nas sombras, como um fantasma, uma presença que não podia ser tocada. E então, percebi o quão profunda e infinita era a maldição que eu carregava. Não era só a minha dor que me consumia. Era a dor de todos que foram tocados pela Besta de Gevaudan, espalhados por este mundo, vivendo como espectros, caçando sem parar.
A cada caçada, os outros surgiam. Mais e mais de nós, caçadores sem fim, caindo cada vez mais fundo na escuridão. Eu vi coisas horríveis, cenas de destruição e sofrimento que não poderiam ser descritas em palavras. Cada um de nós, uma besta em busca de sangue, mas também presos em um ciclo de horror interminável.
Foi quando me encontrei com ela novamente, com a verdadeira Besta de Gevaudan, que eu compreendi o que realmente aconteceu. Ela não apenas controla os que foram transformados, ela se alimenta de nossa dor. Nossa dor, nossas almas, são a essência que a mantém viva, que a mantém forte. E, assim como nos caçadores, ela se nutre do medo, do sofrimento de cada ser humano que cruza seu caminho.
Ela não é uma criatura, não é um animal. Ela é uma entidade, uma força primordial que manipula a vida e a morte, uma manifestação do mal mais antigo que a humanidade já conheceu. Ela se alimenta da essência de todos nós, de tudo o que é humano. E nunca há uma libertação.
No silêncio da noite, enquanto eu caminhava pela floresta, os ecos de gritos longínquos começaram a se formar em minha mente. Eu sabia o que eram. Não eram fantasmas. Eram as almas das vítimas que caíam, que foram devoradas pela Besta e agora, presas, alimentavam a criatura em sua eterna busca por mais. Aqueles que foram tomados pela Besta, que se tornaram caçadores, ainda existiam, mas estavam além de qualquer esperança de redenção. E eu estava fadado a ser um deles.
No fundo, a verdade me consumiu. Não havia escapatória. Não havia como fugir da maldição. Nós éramos todos peças de um jogo cruel, e a Besta, com sua sede insaciável, estava sempre esperando, sempre observando.
Eu não sou mais humano. Eu sou parte de uma rede de dor e sofrimento, uma sombra que vaga nas noites escuras, caçando e matando, alimentando a Besta, alimentando a dor.
E se você ouvir passos na floresta, se sentir o calafrio na espinha e o cheiro de morte no ar, saiba que não está sozinho. A Besta está perto, e eu, agora, sou a própria escuridão que você teme.
E, quando a noite cair, você será o próximo.
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