Volume II: A Boca de Gelo


 

Capítulo 1 — Ecos de Sangue Frio

O silêncio do Ártico era diferente. Não era ausência de som. Era expectativa congelada.

A Base Avançada Borealis, um laboratório multinacional desativado na fronteira do Estreito de Bering, fora reativada com urgência após o desaparecimento de uma equipe científica russa que estudava fraturas sísmicas sob a calota glacial. Transmissões interrompidas. Um único áudio recuperado:

“Eles nadam por baixo... mas sob o chão. Não é água. É gelo. E ainda assim... se move.”

Helena pousou o tablet devagar, olhos semicerrados pela luz azulada do ambiente. O frio era cortante, mas não tanto quanto o medo que sentia ao ouvir aquele tom: o mesmo vazio desesperado de quando viram Marcus ser tomado.

Otávio, agora mais pálido, mais magro e com marcas permanentes sob os olhos, entrou na sala de comando com o relatório meteorológico.

— Estão falando em colapso parcial da plataforma oeste. Mas é mentira — disse ele, jogando os papéis sobre a mesa. — O gelo não está derretendo. Está... cedendo. Como se algo o empurrasse de baixo para cima.

Helena assentiu. A imagem que havia recebido do Instituto mostrava mais que rachaduras.

Mostrava... tentáculos.

— Amikuk — ela disse, finalmente. — O povo Inuit descrevia como algo que emergia não da água, mas da terra congelada. Um ser debaixo do mundo. O mar era apenas uma das suas portas.

Otávio respirou fundo.

— Como Kalgh’ra?

Helena hesitou.

— Não. Kalgh’ra era um ciclo. Um conceito encarnado. Isso aqui... isso é um corpo. E talvez seja mais antigo. Mais primitivo.

A porta de aço da base se abriu com um zumbido hidráulico. Dois agentes da célula Quimera-Aleph entraram. Um deles estendeu um arquivo impresso. Fotografias recentes.

Uma baleia encalhada nas margens do lado russo.

Aberta do ventre ao crânio.

Mas o que mais assustava não era a mutilação.

Era o símbolo gravado nas entranhas.

Três círculos concêntricos e, ao centro, uma espiral pontiaguda: o mesmo símbolo da câmara de Kalgh’ra, agora redesenhado... com gelo.

— Eles estão conectados — murmurou Otávio. — Como sementes de um mesmo jardim. E agora estão brotando.

Helena fechou o arquivo. Olhou pela janela reforçada. A noite polar parecia sem fim.

— Prepara os equipamentos. Vamos fazer o reconhecimento por drone. E se encontrarmos algo sob o gelo... vamos descer.

Otávio hesitou.

— E se não voltarmos?

— Então alguém precisa contar o que vimos — ela respondeu, fria.

No horizonte branco, o vento soprava como um coral antigo.

E sob o gelo... algo acordava.

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