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Mostrando postagens de junho, 2025

O Monarca da Névoa

     Nas vastas montanhas de Snowdonia, onde o vento uivava como uma lamento ancestral, e as nuvens se entrelaçavam com o céu até desaparecerem nas profundezas de um horizonte eterno, o Brenin Llwyd emergia da bruma como uma entidade mítica e aterradora. Conhecido como o "Rei Cinza" ou o "Monarca da Névoa", esse gigante sinistro caminhava pelas trilhas esquecidas de Gwynedd e Powys, em território galês, buscando almas perdidas que ousavam aventurar-se em seu domínio.      A origem do nome Brenin Llwyd , que em galês significa "Rei Cinza", já deixava claro o quão imponente e temível essa criatura era. Ele era descrito como um gigante de proporções colossais, com pele pálida, quase translúcida, que refletia as nuvens densas que sempre o acompanhavam. Seu rosto, porém, era o verdadeiro terror. Em vez de características humanas ou animais, seu semblante parecia feito de pura neblina, uma máscara de vapor que mudava constantemente, fazendo-o parecer mais uma ...

O Uivo Carmesim

     Na penumbra úmida das ruas desertas de uma grande metrópole africana, o som de passos ecoava pelo asfalto rachado. Tinham-se passado poucas horas do eclipse que mergulhara a cidade em trevas quase absolutas, quando um grupo de jovens, atraídos por relatos de desaparecimentos recentes, aventurou-se a explorar um beco esquecido, cujas paredes grafitadas com símbolos desconhecidos advertiam quanto ao perigo.      De súbito, um guincho agudo rasgou o silêncio: um grito prolongado e distorcido, semelhante a uma gargalhada histérica, que arrepiou a espinha até dos mais corajosos. Era o Booaa, o “Hiena Desconhecida da África Ocidental”, cujo nome derivava justamente daquele ulular aterrador. Diziam que o animal, de porte colossal, com pútridas mandíbulas repletas de presas serrilhadas e olhos incandescentes, surgia apenas sob a escuridão total, abrindo fendas na carne de sua vítima com voracidade faminta.      Os jovens, paralisados pelo terr...

Coração Serpentino nas Águas Ocultas

Em uma madrugada úmbria, quando a névoa pairava sobre as margens do Lago Mendota, um brilho esverdeado emergiu das águas profundas. Bozho, cujo nome deriva de “hello” na língua Potawatomi e possivelmente de Manabozho, a figura trapaceira algonquina, moveu-se com a cadência de uma serpente ancestral. Sua forma era inteiramente serpentina, com um pescoço longo que ondulava como uma lâmina viva e grandes olhos negros que refletiam a luz fraca do luar. Avistamentos históricos relatam que, em 27 de junho de 1883, o casal Billy Dunn, ao velejar, teve de repelir o monstro com remo e machado para salvar suas vidas. Décadas depois, em 1917, um pescador observou sua cabeça e pescoço a cem pés de distância de Picnic Point, causando correntes de pânico nas margens. Testemunhas posteriores descreveram escamas negro-esverdeadas com leves manchas claras, sugerindo uma criatura que jamais encontraria correspondência nos livros de ciência  Na cidade sombria à beira do lago, Dr. Helena Sutter, zoólo...

Dossiê Escarlate – Linha Temporal Consolidada das Incursões Criptoformes (Volumes I–III)

  Classificação: Nível Escarlate | Acesso restrito à Seção Arcanum e à Diretoria Liminar 1998 (referência inicial retroativa) Evento Harding (Lago Ness, Escócia) Primeiras manifestações associadas a Kalgh’ra . Alistair Harding desaparece durante operação de escaneamento lacustre. Classificado como acidente técnico. Posteriormente reclassificado como “primeiro toque” após análise de gravações esquecidas. Volume I – A Profundidade Invertida Local: Lago Ness, Escócia Ano: 2024 Investigação de perturbações acústicas no lago revela estrutura óssea no fundo da cratera: Críptide 09-Λ – “Coração de Kalgh’ra” . Marcus é “assumido” por Kalgh’ra; Otávio é marcado; Helena carrega fragmento mental. Ritual de Trindade realizado inconscientemente por três agentes humanos. Kalgh’ra parcialmente disperso. Selo simbólico recosturado por Helena. Harding reaparece como vigia da fenda . Consequência: Primeira manifestação consciente de criptoforma memética total. Vol...

Arquivos Confidenciais: Dossiês Quimera

RELATÓRIOS DA QUIMERA – ACESSO NÍVEL ESCARLATE 1. Dossiê da Agente Talia Kojo Status : Ativa Função : Linguista de Campo | Especialista em Criptoetnografia Moral Exposição : Kalgh’ra (indireta), Bangenza (plena), Ak-Thur-El (total) Análise Neurossimbólica : Capacidade de absorção e estruturação de linguagem extralinguística. Memória resistente a distorção paracognitiva. Registro de fala reversa espontânea em estado REM. Risco de Contaminação : Elevado, porém estável sob rituais de contenção mental. Recomendação : Monitoramento contínuo. Capaz de interagir com estruturas criptoformes sem colapso identitário. 2. Dossiê do Agente Otávio Gabriel Status : Desaparecido | Presumido Integrado Função : Ex-analista de campo | Portador fragmentário Exposição : Total (Kalgh’ra, Amikuk, Bangenza, Ak-Thur-El) Última manifestação confirmada : Evento AK-Eco – Ennedi Nota técnica : Otávio representa o primeiro caso de fusão simbiótica com múltiplas criptoformas. Prognóstico :...

Volume III: A Sombra entre as Copas

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  Capítulo 12 – A Última Margem Após o evento de Ennedi, o tempo voltou a fluir. Mas não do mesmo modo. Satélites de rastreio atmosférico mostraram pequenas anomalias na medição de marés. Mínimos atrasos em batimentos cardíacos coletivos durante horários de pico. E um fenômeno novo: registros de eco de voz onde não havia som. O nome Ak-Thur-El jamais foi mencionado novamente. Porque ele não precisava mais ser dito. Ele havia sido ouvido. Otávio não voltou. Talia sim — ou pelo menos, uma parte dela. Encontrada dias depois nos arredores de Tamanrasset, desidratada, suja, mas com o olhar limpo. Na triagem da Quimera, ela repetiu apenas uma frase: “O silêncio tem margens. E nelas, há outros nomes.” Helena, ainda oculta, deixou um arquivo criptografado para Talia. Apenas duas palavras: “Segue limpa.” Era uma benção. Ou um aviso. No Conselho, Malik Dray foi removido. A Seção Escarlate perdeu autonomia. Uma nova célula foi criada: Quimera V – Liminares , sob comando provisório de Tal...

Volume III: A Sombra entre as Copas

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  Capítulo 11 – O Silêncio Que Nos Lê A evacuação do deserto foi abortada. O último helicóptero enviado pela Quimera sobrevoou o platô de Ennedi por sete minutos antes de perder o contato. As últimas palavras gravadas pelo piloto foram: “Não há mais chão. Não há mais sombra. Só... reverberação.” No centro da distorção, Otávio e Talia estavam de pé. Mas não sozinhos. À sua volta, projeções da própria selva africana, das águas do Lago Ness e do gelo do Alasca surgiam e se desfaziam, como se o lugar onde estavam contivesse todos os lugares anteriores. Não como portais. Mas como ecos condensados . Otávio compreendeu: — Isso aqui não é um ponto. — É a junção de todas as vezes que alguém pronunciou o nome. — E agora ele... nos lê. Talia chorava em silêncio. O tempo já não existia de forma linear. Ela ouvia sua infância. Ouvia sua morte. Simultaneamente. E então, uma presença. Helena. No limite da dobra do céu. Não mais humana. Mas ainda… ela. Vestia uma veste preta e páli...

Volume III: A Sombra entre as Copas

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  Capítulo 10 – O Lugar Onde Tudo Ecoa O deserto parou. Talia percebeu primeiro. O vento cessara. A poeira repousava sobre o ar, flutuando como cinza suspensa. Até o calor parecia congelado — não frio, mas inerte. Otávio levantou-se da caverna com os olhos vermelhos. Não de choro. De exposição. — Estamos dentro dele agora — murmurou. — Como assim? — perguntou Talia, ofegante. Ele apontou para o céu. As nuvens não se moviam. O sol... oscilava de intensidade. As sombras se alongavam e depois retraíam, sem fonte. — Ak-Thur-El não vem ao mundo. — Ele transforma o mundo em si. A realidade estava cedendo. E nas pedras do círculo sagrado, símbolos começaram a se riscar sozinhos . Como se mãos invisíveis escrevessem através da pedra — ou como se a própria rocha recordasse. Talia tentou registrar com a câmera. A imagem piscava. Gravando... Erro: Formato de tempo inválido. — O tempo... está colapsando em volta de nós — disse Otávio. Ao longe, um Tuaregue apareceu caminhando....

Volume III: A Sombra entre as Copas

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  Capítulo 9 – Quando os Ecos Começam Os registros não coincidiram à primeira vista. Em Kinshasa, um operador da Quimera chamado Elias Bakongo acordou durante a madrugada e escreveu 127 linhas de um alfabeto que não conhecia, com os olhos fechados. Em Edimburgo, uma paleolinguista aposentada foi encontrada murmurando palavras sem vogais, as mesmas entoadas por Marcus antes de se entregar à água no Lago Ness. E no Alasca, nos arredores da antiga Base Borealis, um grupo de pescadores nativos relatou ouvir “o mar sussurrar debaixo do gelo”. Tudo isso nas mesmas 12 horas. A Quimera detectou as ocorrências. Mas Otávio e Talia, ainda isolados no deserto do Ennedi, souberam antes. Pois sentiam. Não dor. Não medo. Mas presença . — O campo sísmico ao redor da caverna começou a emitir um padrão que os satélites descreveram como resíduo gravitacional anômalo . Não havia tremor. Mas as bússolas giravam. Os relógios atrasavam. Os rádios... recuavam segundos. Como se o tempo estivesse hesitando....

Volume III: A Sombra entre as Copas

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  Capítulo 8 – O Nome Que Anda Atrás O planalto de Ennedi, no nordeste do Chade, erguia-se como uma ossada petrificada de um titã enterrado. Torres de arenito milenares furavam o céu como dentes, e entre elas, o calor reverberava com peso quase ritual. Talia desceu do helicóptero com a pedra gravada nas mãos. Otávio a seguia, agora livre de contenção — mas não livre do fardo. Desde o contato com o Bangenza, ele vinha sentindo sonhos em outro idioma. Imagens de pedra. De fogo. E de um nome que não podia ser dito em voz alta. Foram guiados por um Tuaregue silencioso, que não falou durante a jornada. Apenas os levou até uma caverna conhecida pelos anciãos como “A Boca do Quarto Silêncio” . Segundo os registros obtidos por Talia em manuscritos ocultos do Instituto de Cartografia Pré-Mítica, aquele local havia sido interditado séculos antes, quando “os Homens da Areia” ouviram o nome que “os três haviam escondido”. No interior da caverna, não havia inscrições comuns. Havia formas...

Volume III - A Sombra entre as Copas

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  Capítulo 7 – A Primeira Sombra Talia atravessou as portas do Setor Cinza da Quimera carregando a pedra gravada em tecido cerimonial. Dois agentes a seguiram por ordens do Conselho, mas não ousaram tocá-la. Otávio, ainda mantido sob observação neurológica em ala restrita, havia mudado. Não enlouquecido. Não inativo. Mas diferente. Ele passava horas em silêncio absoluto, traçando espirais com os dedos na parede, murmurando nomes de lugares que não existiam em nenhum mapa. Até aquela manhã. — Talia... — ele sussurrou, ao vê-la entrar. — Eles não são fragmentos. São células. De algo maior. Ela se aproximou e colocou a pedra sobre a mesa. Otávio a tocou — e congelou. Sua pupila dilatou. As espirais cessaram. Ele olhou para cima, e sua voz parecia mais firme do que nunca: — Estás pronta para ouvir o que eles temem? Talia assentiu. Otávio respirou fundo e começou: — O Bangenza existe para lembrar. — O Amikuk, para preservar. — O Kalgh’ra, para abrir. — Mas há um... que and...

Volume III - A Sombra Entre as Copas

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  Capítulo 6 – As Vozes Sob as Folhas Talia retornou sozinha. A Quimera havia ordenado a suspensão temporária das operações terrestres na região, mas ela sabia: se esperasse pelos protocolos, tudo o que fora revelado cairia no esquecimento institucional. E o Bangenza... não perdoava o esquecimento. Guiada por um velho mapa cerimonial da etnia Topoke, rumou em direção a um platô coberto por névoa permanente, a leste do rio Ubangi. Segundo a tradição, aquele era o Solo das Três Fomes — um local onde “os de antes dos homens” guardavam os nomes verdadeiros das coisas que andam. Ela chegou ao entardecer. O platô era circular, ladeado por pedras altas com inscrições arcaicas — símbolos que misturavam glifos, pictogramas e um padrão recorrente: o da cicatriz nos círculos. Mas agora, com ramificações que se estendiam como nervuras. Ela se ajoelhou no centro e retirou da mochila uma máscara ritual de madeira, presente de um curandeiro congolês silencioso, que não aceitava moeda — ape...

Volume III - A Sombra entre as Copas

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Capítulo 5 – O Espelho e a Cicatriz Os oito sobreviventes foram transportados em silêncio. Não gritavam. Não falavam. Não choravam. Eles apenas... olhavam. Para dentro. Durante o voo de evacuação, os sensores cognitivos registraram uma atividade cerebral incomum — não alucinatória, mas estruturada. Como se suas mentes tivessem passado por algo que o cérebro humano não foi projetado para armazenar. Otávio permaneceu ao lado de Talia, revisando os dados. Mas sua atenção estava no símbolo que agora surgia repetidamente nos desenhos automáticos dos sobreviventes: três círculos concêntricos, com uma cicatriz transversal. — É o mesmo padrão que apareceu nas gravações do caso Kalgh’ra... e na pedra ritual do Amikuk — ele disse, deslizando a mão pela tela. — Só que agora, tem esse risco. Como uma rachadura no ciclo. Talia analisou em silêncio. — O Bangenza não está ligado à entidade deles. Mas talvez... às consequências — ela disse. — É como se todas essas criaturas fossem manifest...

Volume III - A Sombra entre as Copas

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  Capítulo 4 – A Clareira dos Arrependidos Ao norte do rio, a vegetação mudava de tom. As folhas eram mais espessas, mais escuras, como se a luz solar evitasse aquele trecho da floresta. A atmosfera era sufocante. Até o tempo parecia hesitar ali dentro. A equipe avançava com cuidado. Otávio mantinha o sensor mental ativado. Estava vibrando. Não em alarme — em resposta . — A frequência é estável — sussurrou. — Ele sabe que estamos vindo. Mas não foge. Ele quer que vejamos. Ao ultrapassarem uma raiz elevada, entraram numa clareira ampla, cercada por árvores antigas cobertas por cipós retorcidos. No centro, um círculo de pedras — e dentro dele, oito pessoas sentadas em silêncio absoluto. Não amarradas. Não contidas. Mas imóveis, olhos abertos, olhando em frente... como se em transe. — São os desaparecidos — disse Talia. — Todos. Inteiros. Mas... Otávio aproximou-se do primeiro — uma mulher jovem, olhos secos. Colocou dois dedos no pescoço. — Pulso estável. Respiração lenta. Mas ativid...

Volume III - A Sombra entre as Copas

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  Capítulo 3 – As Três Transgressões A noite caiu sem anúncio. Na clareira, a temperatura subiu ao invés de cair, e o ar tornou-se pesado, úmido como febre. Talia traçou um círculo ritual com sal e cinzas extraídas de um frasco marcado como “resíduo litúrgico – Lago Tumba” . Segundo registros antigos, esse composto era usado em cultos proibidos para isolar presença espiritual de origem animalizada. Otávio vigiava o perímetro. Os sensores de proximidade estavam mudos. Mas ele sentia. Como no Ártico. Como no lago. Quando o mundo fica silencioso... é porque algo escuta. — Ele não ataca por fome — disse Talia, fitando o corpo mumificado de Mbemba. — Cada vítima carrega um erro. E ele... pune. Ela retirou um pergaminho plastificado da mochila. Tradução direta de um canto lusengo proibido, preservado apenas em fragmentos: “Quando o homem quebra a palavra com sangue, Quando o homem leva o fogo ao ventre da floresta, Quando o homem come o irmão de quatro mãos... O Bangenza vem.” ...

Volume III – A Sombra entre as Copas

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Capítulo 2 – O Caminho dos Olhos Ocultos A floresta se fechava ao redor da equipe como um organismo antigo e atento. O mato rasteiro se tornava mais espesso a cada quilômetro. Os pássaros, outrora abundantes, haviam desaparecido por completo. Silêncio. Não o natural — mas o imposto. Otávio, Talia e dois agentes batedores da Quimera — Iyeke e Ramos — avançavam a pé com sensores ambientais ativados. A base de apoio aérea permanecia no alto, mas o canal de rádio começava a falhar em intervalos regulares, como se alguma interferência latente os estivesse filtrando. — Isto não é interferência elétrica — disse Iyeke, encarando o comunicador. — É absorção. Como se as ondas fossem engolidas. Talia passou a mão sobre um tronco seco. Marcas de dedos. Mãos grandes. Muito grandes. Com unhas longas e finas, semelhantes a lâminas de marfim. — Aqui — apontou. — Ele passou por aqui. Subindo. Otávio se abaixou. O solo estava afundado por pegadas largas, semelhantes às de um primata, mas com art...